As Metrópoles e a COVID-19: Dossiê Nacional

O INCT Observatório das Metrópoles, em parceria com o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), apresenta o Dossiê Nacional As Metrópoles e a COVID-19”. O objetivo de sua elaboração é analisar as iniciativas empreendidas pelo poder público – nos âmbitos federal, estadual e municipal, visando o enfrentamento da pandemia da COVID-19 e denunciar eventuais situações de violações de direitos humanos e sociais, com foco nos territórios populares e grupos sociais vulneráveis. Visamos com a difusão subsidiar ações de incidência e exigibilidade de direitos, promovidas por organizações, movimentos sociais e instituições de proteção de direitos.

Trata-se de um amplo e sistemático mapeamento realizado pela ação coletiva, colaborativa e coordenada do conjunto da rede de instituições e pesquisadores que integram os 16 núcleos do Observatório das Metrópoles espalhados por todas as grandes regiões do país. O dossiê constitui-se em um rico e denso panorama do impacto da pandemia sobre os principais aglomerados metropolitanos da rede urbana brasileira, no qual se buscou destacar as diferenças destes impactos sobre os territórios populares e grupos vulneráveis. Como pode ser percebido pela sua leitura, o presente documento evidencia que apesar da importância societária e civilizatória, foram poucos os governos estaduais e municipais que adotaram políticas específicas para favelas, cortiços, palafitas e demais territórios populares, bem como para grupos sociais vulneráveis, como os camelôs, população de rua, e outros.

No caso do governo federal, prevalece a notória política de omissão, descompromisso e irresponsabilidade. É muito evidente a sua ausência de empenho para gerar ações coordenadas e de proteção no conjunto do território nacional. Mas, a inação do governo Bolsonaro não deve ser entendida apenas como resultante da evidente incapacidade governativa da coalizão direitista-financeira apoiada por grupos militares. A nosso ver, é possível perceber sinais claros do tratamento da pandemia como expressão de uma necropolítica no sentido atribuído pelo filósofo e historiador camaronês Achille Mbembe[2]. Isto é, a utilização da morte como estratégia de governo dos corpos e da vontade política das camadas populares, com objetivo de anular a sua capacidade de contestação e revolta frente aos flagelos a que são submetidas e tornadas evidentes pela pedagogia da pandemia. O descaso com a difusão exponencial dos casos das mortes é um outro braço desta necropolítica, pois ela também se manifesta na prática policial de confronto que tem gerado o crescimento dos homicídios cometidos em sucessivas operações realizadas nos territórios populares, ou à narrativa e medidas que buscam incentivar o armamento da população como prática supostamente de autodefesa. A necropolítica entre nós, enquanto periferia do capitalismo, não pode ser compreendida como deformação política, mas o outro lado da moeda do exercício do biopoder a serviço do projeto ultraliberal que busca por surdas violências a legitimação da destruição dos aparatos de proteção da sociedade em favor da soberania do mercado.

Mas, como dissemos anteriormente, a pandemia da COVID-19 possibilita maior transparência dos horizontes anti-societários e descivilizatórios desta estrutural prática de controle dos conflitos na sociedade brasileira. A nossa intenção com este dossiê é justamente atuar a partir do conhecimento na direção de dar maior visibilidade a este impasse, fortalecendo a capacidade de resistência e de insurgência das camadas populares submetidas às práticas da necropolítica. Por outro lado, pretendemos que a sua ampla circulação torne mais consciente os ensinamentos que a pedagogia da pandemia está promovendo e ajude na construção de um amplo consenso na sociedade sobre a imperiosa necessidade de assegurar o direito à cidade como caminho do direito à vida.

Para tanto, optamos por fazer um dossiê dinâmico, que será complementado com novas análises e atualizado sempre que possível e necessário. Queremos que estes documentos se constituam em subsídio para o FNRU e para outras redes e articulações que estão promovendo ações de incidência e exigibilidade de direitos.

O dossiê está estruturado em duas partes. A primeira se dedica a análises nacionais, contando também com o documento político unificado “O combate à pandemia Covid-19 nas periferias urbanas, favelas e junto aos grupos sociais vulneráveis: propostas imediatas e estratégicas de ação na perspectiva do direito à cidade e da justiça social”, elaborado e subscrito por dezenas de organizações e redes nacionais, entre as quais o Observatório das Metrópoles. A segunda parte se dedica as análises locais, focadas nas realidades locais, compreendendo a descrição e compreensão dos territórios particulares e das políticas dos governos estaduais e municipais de enfrentamento da pandemia, bem como o registro de eventuais denúncias de situações de violações de direitos humanos.

A seguir, os documentos que compõem a primeira parte:

PARTE 1 – ANÁLISES NACIONAIS